A Lenda de S. Martinho
Houve um tempo em que havia cavaleiros e princesas, mendigos na beira da estrada, santos e pregadores, impérios a nascer por força das armas, bárbaros e pagãos… Era o tempo em que ainda havia memória do Homem Bom que validava a bondade dos homens e a transformava em milagres.
Nesse tempo, nasceu na antiga cidade de Savaria, na Panónia, antiga provincia do Imperio Romano, actual Hungria, um menino a quem os pais puseram o nome de Martinho. Filho de um comandante romano, cresceu em Pavia, a de Itália, no seio de uma família pagã. Filho de comandante romano só podia ser soldado romano. Quando tinha quinze anos, integrou o exército romano e viajou por todo o Império Romano do Ocidente.
Apesar de pagão, Martinho descobriu o Cristianismo ainda na adolescência mas só mais tarde, depois de ter abandonado o exército, foi baptizado, em 356. Tornou-se discípulo de Santo Hilário, bispo de Poitiers (na zona oeste da actual Fança), que o ordenou diácono e presbítero, regressando de seguida a Panónia, onde converteu a mãe.
Perto de Poitiers, fundou o mais antigo mosteiro conhecido na Europa, na região de Ligugé. Já então era conhecido pelos seus milagres e atraía multidões, ávidas do divino e da cura nas suas vidas. Foi ordenado bispo de Tours em 371 e fundou o mosteiro de Marmoutier, na margem do rio Loire, onde vivia em reclusão.
Era um pregador incansável e fundou as primeiras igrejas rurais na Gália, onde atendia ricos e pobres. Morreu a 8 de Novembro de 397 em Candes e foi sepultado a 11 de Novembro em Tours, local de intensa peregrinação desde o seculo V.
Para assinalar a data do seu enterro, comemora-se o dia que lhe é dedicado. Acredita-se que, na véspera e no dia das comemorações o tempo melhora e o sol aparece: é o chamado “Verão de S. Martinho” e associa-se este “Verão” a uma lenda, que passo a contar.
Ia Martinho de Tours a cavalo, por uma estrada do Império (ainda não era Santo, era soldado, santidade só chegou mais tarde com o cômputo dos seus milagres…), quando lhe apareceu um mendigo andrajoso e meio morto de frio,a pedir esmola. Naquele tempo, a norte, chovia em Novembro e o frio era agreste e cortante. Martinho, caridoso e compassivo, cortou com a sua espada, metade da sua capa de soldado e deu uma metade ao mendigo para se abrigar do frio e da chuva. Mais à frente, apareceu outro mendigo (havia tantos como os há agora, muitos…!) e Martinho deu-lhe a outra metade da sua capa, seguindo viagem sem capa, exposto aos rigores do Novembro do Norte. Ainda não tinha cavalgado muitos metros, viu aproximar-se um homem com uma capa de soldade. Aqui entra o imaginário popular que diz que o homem era Deus, que apareceu a Martinho para lhe agradecer e compensá-lo pelo bem que tinha feito aos mendigos. E Deus disse que, a partir desse dia, o Sol brilharia como se fosse Verão, todos os anos, durante dois dias, para lembrar aos homens, na Terra, que a caridade e a partilha aquece os corações e ilumina as nossas vidas.
O “Verão de S. Martinho” terá outra explicação científica, que os metereologistas saberão, melhor que ninguém, qual é. No entanto, certo é que, nesta altura do ano, podemos sempre contar com alguns dias de Sol, para que o Magusto, com amigos e família, se cumpra, as castanhas se assem, a jeropiga se beba e o vinho novo se prove na adega.
Já não há cavaleiros caridosos, as princesas estão pela rua da amargura, santos? nem vê-los! Milagres só mesmo nas lendas e histórias cristãs. Os Impérios surgem e caem, assentes em pés de barro que facilmente se quebram. Mas os mendigos …ah! Esses ainda os há! Cada vez mais! Os que mendigam pão e os que mendigam circo, os que mendigam amor e os que mendigam palavras.
Possamos nós, ao sentir o Sol de S. Martinho, encontrar dentro de nós o calor da caridade e da partilha.