Dia da Mãe
O primeiro vínculo à vida e à sobrevivência fortalece-se com a nutrição que as mães oferecem, amamentando os filhos. Depois, com as papinhas e sopinhas, e as comidinhas boas e equilibradas que cozinham e preparam, alimentando as crias e vigiando o aumento de peso e outros sinais vitais indicadores de crescimento saudável.
Nutrir faz parte da lista de requisitos indispensáveis para se ser Mãe. E a nutrição não é só feita através de alimentos. Nutrir afectos é tão importante como nutrir o corpo com alimento. O amor é o alimento da alma. Não tenho a menor dúvida.
Desde criança pequena, menina de tranças com laços de fitas a voarem tal qual borboletas brancas, que me lembro de ver a minha mãe a cozinhar, em casa, para a família. No tempo em que a família tinha os avós, a tia e o primito reguila, vivíamos numa pequena tribo amorosa e a minha mãe, a filha mais velha de D. Conceição Salvada, assumiu a tarefa de nutrir toda a família, escolhendo alimentar com amor as pessoas que viviam em volta da sua personalidade forte e carismática. Sempre gostou de cozinhar, sempre gostou de inventar temperos e de sentir o cheiro das especiarias a espalharem-se pela cozinha. Punha a mesa, ajeitava as cadeiras chamava as crianças para lavarem as mãos e, quando todos já estavam sentados, trazia o tacho de barro, a travessa ou a terrina, conforme a iguaria que tinha preparado. E era um prazer enorme comer tão apetitosa carne de galinha acerejada, sopa de cação ou ensopado de borrego.
Não me lembro de alguma vez fazer birra para comer (ninguém admitia birras às crianças da família, claro!) mas lembro-me bem de ficar sentada, à mesa da cozinha, no meu banquinho alto, cor de rosa e branco, com a cabeça apoiada nas palmas das mãos abertas, a olhar para a azáfama da minha mãe a cozinhar: ele era descascar cebolas, picar alhos, descascar batatas, bater claras, temperar com pós de cores mágicas e ervas secas ou frescas, aromáticas e alegres. Eu imaginava que a panela ou o tacho onde desapareciam todos os ingredientes, era um caldeirão mágico onde a minha mãe fazia a magia de tornar a minha vida uma história de encantar.
Claro que me ficou o imenso amor de minha mãe entranhado nas células, que me levam a todas as partes do meu corpo a vida e a força com que vive cada dia, dando exemplo de resiliência, empenho, abnegação, resignação, aceitação e amor incondicional.
Houve um tempo em que quis ser como ela, queria cozinhar como ela, queria vestir, rir e sentir como ela. Depois quis ser eu própria e comecei a construir a minha identidade, tendo sempre presente os ensinamentos e exemplos de minha mãe.
Hoje sou eu própria, gosto de cozinhar, gosto de pôr a mesa e trazer a travessa ou o tacho de barro para o centro da mandala que é a família reunida para almoçar ou jantar, gosto de mexer, com a colher de pau, no sentido horário, a panela alquímica da mistura amorosa e nutritiva que alimenta a minha tribo. Tão iguais e tão diferentes, entre mim e a minha mãe há um espaço de tempo que nos afasta e nos torna únicas mas há uma corrente de tempo – feita de afectos, de cumplicidades, de risos e lágrimas, de filhos e netos nascidos e criados em conjunto, de receitas trocadas ao telefone, de jantares e almoços partilhados, de passeios de braço dado, de caminhadas junto ao mar, com os pés dentro da água salgada, de noites de Verão a conversar no escuro do páteo da casa do Alentejo, de discussões acesas sobre as diferenças geracionais que nem ela nem eu entendemos mas que acabam por nos aproximar ainda mais – que nos une uma à outra…
Escolhi-a para ser minha Mãe porque só ela podia ser a minha Mãe… Só ela tem a paciência ilimitada para a minha teimosia, só ela compreende quando eu preciso de chorar e desabafar, só ela consegue rir comigo a bandeiras despregadas, das coisas mais ridículas que se possa imaginar, só ela consegue comer as minhas experiências culinárias e perceber o que é que faltou ou o que é que a tornou excelente, só ela adivinha e pressente a minha aflição, mesmo que eu esteja no outro lado do mundo, só ela me sente a alma a pulsar porque ainda guarda a memória do tum-tum do meu coração a bater no seu ventre.