Chocolateira
Está frio. O mês de Fevereiro está frio. Apetece o aconchego da casa aquecida, da manta sobre os joelhos, do abraço feito almofada na hora de deitar, do pijama macio e do chá aromático e apaziguador, em caneca branca, a fumegar na mesa de cabeceira.
Quando era miúda, a minha avozinha fazia, para os netos que viviam debaixo do seu tecto e da sua asa maternal, uma bebida que, no Alentejo profundo, chamávamos de caldo de farinha. Era delicioso. Os nutricionistas do nosso tempo podem ter vários fanicos ao lerem esta receita, mas a realidade desta época é muito diferente da que agora vivemos.
Aqui vai, um cheirinho de outros tempos e uma recordação do tempo em que éramos felizes e não sabíamos….
CALDO DE FARINHA
O Caldo de Farinha era uma beberragem que se tomava quente em substituição do leite. Era bom beber isto antes de ir para a cama, ao fim do serão à lareira, ou pela manhã, com torradas com toucinho cozinho que tinha sobrado do jantar da véspera. O leite era escasso. Vinha em cântaros, trazido pelo ti Afonso ao fim da tarde, e era vendido ao litro, meio litro e metade meio litro, segundo as posses de cada um e o numero de filhos pequenos para alimentar. Era sempre fervido, pois a higiene, sempre duvidosa, era a possível, nestes tempos não muito remotos.
O ti Afonso vinha todas as tardes, sempre seguido pelo Venãncio das sobras, que recolhia o que podia para alimentar um porquinho, no quintal, essencial para o sustento da família, cheia de filharada que nem rataria.
Era neste tempo que a minha avó fazia o caldo de farinha. Diluía, em água fria, a quantidade necessária de farinha de trigo , da mais fina, a que fora peneirada na peneira de malha mais apertada. Esta mistura ia ao lume, numa “chocolateira”, aromatizada com uma casquinha de limão e uma colher de banha, para dar “sustento”. Antes do caldo levantar fervura, juntava-se-lhe o açúcar a gosto, e ia-se mexendo sempre com uma colher de pau, própria para esta confecção, até engrossar na medida do pretendido. Em algumas casas juntava-se cacau à farinha, preparando assim o chocolate. Daí o nome de “chocolateira” à cafeteira onde se fazia o café , no fogão, e mexendo até levantar fervura.
