Dia de Reis
Hoje celebramos, em todo o mundo católico, o Dia de Reis. Os Reis são os Magos que visitaram Jesus, guiados por uma estrela nos céus, vindo de paragens longínquas.
Claro que a história não é bem assim. O único Evangelista a referir os Magos foi Mateus (Mateus 2:2) e quem conta um conto acrescenta um ponto. Todos sabemos que as histórias bíblicas carecem de verificação e confirmação da veracidade dos factos. @Frederico Lourenço explica, melhor que ninguém, essas e outras particularidades da nossa cultura cristã.
Mas considerações éticas e filosóficas à parte, a realidade é que os Reis Magos estão na origem de muitas tradições e costumes que fazem parte da nossa herança cultural.
Lembro-me bem que, em criança, era neste dia que se guardavam as decorações de Natal. Todos lá em casa colaboravam e as bolas e fitas coloridas eram cuidadosamente guardadas em caixas que ficariam empoleiradas na prateleiras mais altas da arrecadação, durante os onze meses seguintes. O Pinheiro (naquele tempo ainda não havia preocupações ambientais e o pinheiro era cortado de uma qualquer mata perto da zona onde vivia a minha família) era atirado para o descampado atrás da casa de minha avó, onde ficaria a apodrecer para se transformar em nutrientes para a terra inculta. Ao lanche comíamos Bolo Rei, todos em volta da grande mesa redonda junto à lareira. Geralmente era o meu pai que comprava o Bolo Rei em Lisboa, na Cinderela, que tinha o melhor Bolo Rei que alguma vez comi. Lá chegava ele, no comboio, com a caixa do bolo e o saco com os meus livros e chocolates e era uma festa. Outras vezes íamos, eu e o meu pai, comprar o Bolo Rei à Pastelaria Luís da Rocha, depois de uma pagarem pelo parque infantil e algumas compras no mercado da cidade. E lá voltávamos nós para casa. A mesa estava preparada e as pessoas tinham sorrisos e vozes alegres.
Na noite anterior já se tinham cantado as Janeiras. No largo da Igreja, os homens juntavam-se e começam os cantares que hoje são património imaterial da humanidade. Naquele tempo eram uma forma de aquecer os corpos e os corações e perpetuar a tradição herdada dos pais e avós. Iam pela aldeia, paravam nas portas das casas, eram convidados a entrar a petiscar. E a beber, que as noites no Alentejo, em Janeiro, enregelam os lábios e as vozes.
E assim terminavam as festividades do Natal. Era muito bonito. A partir daí era aguardar, pacientemente, entre rotinas e afazeres do quotidiano, que o calor da Primavera viesse afastar, para o outro lado do mundo, o frio do Inverno rigoroso do meu Alentejo profundo.
Hoje em dia, a tradição já não é o que era. Tudo mudou… Na minha família já não há crianças, nem mesas redondas com braseiras e lareiras nem bolo rei com brinde e fava, as decorações de Natal já estão guardadas, as Janeiras são cantares para estudo de Universidades Internacionais e já ninguém se junta no adro da Igreja para cantar aos Reis. E Belchior, Gaspar e Baltazar são personagens de histórias para crianças ou nomes para gatos espertalhões, também eles Magos que se guiam por estrelas secretas. Mas isso já é outra estória!