Quentes e Boas
“Quem quer quentes e boas?” – Este era o pregão que se ouvia pelas ruas de Lisboa, aqui há uns anos atrás, quando o Outono trazia os primeiros dias frios… Já não se ouve o pregão, entretanto transformado em fado-canção, mas a cidade, apressada e romântica, ainda pára junto dos carrinhos das castanhas. Os cartuchos, outrora de “páginas amarelas” , agora mais modernos, seguindo as directrizes da ASAE, enchem-se de castanhas assadas, quentinhas, aromáticas e reconfortantes. Que bom que é, passear por Lisboa, com o sol dourado de Outono a iluminar a pele sorridente do rosto, refrescado pelo vento vindo do rio, carregado de maresia e salpicos de água, de gaivotas e cacilheiros….
As castanhas fazem parte do nosso património folclórico…. Lisboa sem castanhas assadas no fogareiro de barro não teria a mesma identidade….
No entanto, as castanhas são apanhadas nas terras frias de Trás-os-Montes e é um dos alimentos mais antigos do país. Muito antes de haver batatas ou até pão, as castanhas faziam parte da alimentação diária, como acompanhamentos, em sopas ou doces. Na época dos Descobrimentos, as castanhas eram secas e consumidas nas caravelas.
A Castanea sativa ou castanheiro-da-europa foi introduzido na Europa há cerca de três mil anos, vindo da Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, acompanhando a história da civilização ocidental desde há mais de cem mil anos. Tal como o pistácio, a castanha contituiu um importante contributo calórico ao homem pré-histórico que também a utilizou para alimentar os animais.
Os gregos e os romanos colocavam as castanhas em ânforas com mel e utilizavam-nas nos seus banquetes. Na Idade Média, monges e freiras, nos conventos, utilizavam as castanhas nas suas receitas. Por esta altura, a castanha, era moída, tendo-se tornado mesmo um dos principais farináceos da Europa.
Com o Renascimento, a gastronomia assume novo requinte, com novas fórmulas e confecções. Surge o marron glacé, passando de França para Espanha e daí, com as Invasões Francesas, chega a Portugal.
Na zona de Bragança, existem castanheiros com mil anos. A castanha, ao contrário da azeitona ou da amêndoa, por exemplo, tem que cair para o chão para se poder apanhar: aqui não se abanam as árvores nem se arrancam os frutos dos ramos dos castanheiros.
A castanha que comemos é, de facto, uma semente que surge no interior de um ouriço (o fruto do castanheiro). Mas, embora seja uma semente, como as nozes, tem muito menos gordura e muito mais amido (um hidrato de carbono), o que lhe dá outras possibilidades de uso na alimentação. As castanhas têm mesmo cerca do dobro da percentagem de amido das batatas. São também ricas em vitaminas C e B6 e uma boa fonte de potássio. Consideradas, actualmente, quase como uma “guloseima” de época, as castanhas, em tempo idos, constituíram um nutritivo complemento alimentar, substituindo o pão na ausência deste, quando os rigores e escassez do Inverno se instalavam. Cozidas, assadas ou transformadas em farinha, as castanhas sempre foram um alimento muito popular, cujo aproveitamento remonta à Pré-História.
Ao longo da semana, vou publicar algumas receitas com castanhas e partilhar mais alguma informação acerca deste fruto seco, tão procurado e popular nesta época do ano. E porque sexta feira é Dia de S. Martinho, “vai à adega e prova o teu vinho”!